"Sabemos que, por mais que tenha aumentado o PIB e tenha tido melhoria
na qualidade de vida, ainda está longe de acabar com a extrema pobreza e
a pobreza."
Jeanne Saraiva, secretária
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Família de Raimundo e Maria do Socorro vive em situação de extrema pobreza (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
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O maior salto econômico entre os municípios do país foi obtido por
Belágua, a 280 km de São Luís, segundo dados de 2011 divulgados este
mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O
aumento do PIB per capita levou a cidade maranhense da 4.991ª para a
3.849ª posição no ranking.
Dois anos depois do registro feito pelo IBGE, a realidade mostra que o
maior ganho da população foi sair da situação de pobreza extrema para a
pobreza, impulsionada pelos programas de assistência social do governo
federal somados à produção artesanal e venda de farinha de mandioca.
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Ruas de Belágua não são asfaltadas
(Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
A secretária de Assistência Social, Jeanne Saraiva, explica o fenômeno.
“Em Belágua, passava-se fome. E, hoje, o pobre consegue ter comida na
mesa. Antes, se identificavam famílias que passavam o dia sem alimento
ou tinham só uma refeição por dia. Sabemos que, por mais que tenha
aumentado o PIB do município e tenha tido melhoria na qualidade de vida,
ainda está longe de acabar com a extrema pobreza e a pobreza. A gente
chama de falsa melhoria. Tem muitas famílias vivendo nessas situações
aqui, mas a realidade já mudou”.
Segundo Jeanne Saraiva, a chegada da internet ao município ajudou a
aumentar o número de cadastros no Bolsa Família de 642 para mais de
1.200. Com a garantia de sustento oferecida pelo programa, o pequeno
agricultor, que antes produzia mandioca para subsistência e troca de
mercadorias, agora usar o dinheiro das vendas para melhorar a vida da
família.
“Hoje, a gente vê que o pobre consegue ter alimento, comprar, fazer
feira. Não existia isso antes aqui. Não só pelo Bolsa Família, mas pela
vontade de querer crescer e até de deixar de ser um beneficiário do
programa. O forte de Belágua é a mandioca e assim tem sido. Antigamente,
funcionava o escambo aqui. Se produzia farinha para trocar pelo arroz,
pelo feijão. Eles iam no comércio e trocavam. Hoje, a farinha está sendo
comercializada. O pequeno produtor rural consegue vender a farinha,
ganhar dinheiro e investir em um benefício para a família dele”,
acrescentou Saraiva.
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Raimundo passa mandioca em moedor
(Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
'Passei fome de farinha'
Os povoados de Rio Dois Paus, Mocambo, Deserto, Vaca Velha e Pequizeiro
estão entre os mais famosos pela produção de farinha de qualidade. A
maioria das casas, geralmente feitas de barro e cobertas com palhoça,
têm uma roça de mandioca e uma casa de farinha nos fundos.
Ao percorrer os povoados, o G1 presenciou várias
famílias “farinhando”. O processo começa com a colheita da raiz. A
mandioca então é descascada e triturada em moedores. A massa é
armazenada em cestos de palha alongados, os tipitis, que são pendurados
para secar. Feito isto, a massa seca é levada ao forno à lenha, onde é
torrada. Depois de esfriar, é peneirada.
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Nazaré armazena mandioca moída em tipiti
(Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
Em Rio Dois Paus, o lavrador Raimundo Nonato Lima de Andrade, 69 anos,
trabalha diariamente na produção de farinha com a esposa, o filho e a
nora. Questionado se viver na roça ficou mais fácil por causa do Bolsa
Família ou da produção de farinha, Raimundo diz que é uma coisa pela
outra.
“Tem uma coisa que é certa, é um pelo outro. O governo ajuda bem e nós trabalhamos pra ele nos ajudar. Ficou [mais fácil]
porque se luta é da roça de mandioca. A pobreza diminuiu sim, mas se
não fosse a mandioca, era ruim porque não tem do que se viva aqui. Um
mês é mais fraco, outro é mais forte, mas nós sabemos lutar. Compramos o
arroz, o feijão, mas a farinha a gente faz”, relatou.
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Mandioca é torrada em forno à lenha
(Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
“A gente vende mais é de 20, 30, 40 quilos nos alqueires. O preço subiu
de 40 para 60 reais agora. Nós vivemos melhor. Quando nós criamos nossa
família, não tinha Bolsa Família, nosso filho não ganhava nada. Era
pescando, caçando pra dar um bocado pro filho. Eu não gosto nem de me
lembrar. A gente sofria demais. Passei fome de farinha”, contou a esposa
Nazaré.
Dados do IBGE apontam que Belágua tem 6.524 habitantes, com incidência
de pobreza de 57,12%. A população aumenta a cada dia. Em oito anos,
entre 2000 e 2007, o município teve aumento de apenas 264 habitantes. Já
entre 2007 e 2010, o número triplicou, com crescimento populacional de
805 habitantes em quatro anos.
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Dona Concita peneira farinha torrada
(Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
A população é jovem, com a maior parte concentrada na faixa etária entre 10 e 14 anos, fenômeno que segue a mesma tendência do Maranhão
e do Brasil. O IBGE diz que 1.185 famílias são beneficiadas pelo Bolsa
Família na cidade e mais da metade da população é analfabeta (52,2%).
Miséria total:
Os lavradores Raimundo Nonato dos Santos e Maria do Socorro Saminiez,
juntos há 38 anos, ainda fazem parte do grupo que vive em situação de
extrema pobreza.
O casal mora com os nove filhos em uma casa de barro com dois pequenos
aposentos. As crianças dormem em redes e, os mais velhos, no chão. Não
tem energia elétrica, água encanada, nem banheiro. Arroz, farinha e água
formam o “almoço jantarado”, adiado do meio-dia para 14h, uma
estratégia para segurar a fome por mais tempo.
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Raimundo e Maria do Socorro almoçam arroz e
farinha (Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
Raimundo diz que chegou na cidade em janeiro deste ano, quando foi a
Belágua atrás de notícias do filho, assassinado em dezembro do ano
passado, em uma festa da cidade. Mesmo com o sofrimento, o lavrador não
deixa de trabalhar na roça. “Pode faltar tudo, menos a farinha. Se tiver
só arroz, sem a farinha, eles [os filhos] não querem nem comer, mas se
tiver só a farinha, eles comem, eles gostam. E se tiver pra vender, a
gente vende”, contou.
A família recebe o benefício do Bolsa Família há quatro meses. São R$
450,00 ao todo, R$ 40,00 para alimentar cada morador da casa o mês
inteiro. Raimundo é o que sofre mais, já que não pode mais comer farinha
porque sente dores no estômago.
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Comerciante empresta dinheiro sob penhora de
cartão (Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
Falta de consciência:
A falta de acesso a políticas públicas como saúde e educação, por
exemplo, leva os moradores a cometerem crimes sem saber. O dono de um
comércio do centro de Belágua, que se identificou como Paulo Jorge,
disse emprestar dinheiro a beneficiários do Bolsa Família.
Como garantia de pagamento, Paulo fica com os cartões do Bolsa Família
e, quando o benefício é disponibilizado, ele mesmo faz o saque no banco e
acrescenta uma "taxa" de R$ 3,00 pelo empréstimo, devolvendo o cartão e
o comprovante ao dono após o desconto do débito - um acordo baseado,
principalmente, na confiança da palavra.
O G1 presenciou a realização de um acordo entre o
comerciante e um beneficiário, que pedia um empréstimo para comprar um
remédio para a filha.
“A gente socorre. Como a dona do cartão é sua filha e o senhor tá com
ela, eu vou fazer porque, muitas vezes, acontece que a pessoa tira o
cartão do pai, da mãe e vem aqui. Se eu fizer isso, eu vou tá cometendo
um crime. Agora como o senhor tá trazendo aqui a filha num momento de
socorro, eu posso lhe socorrer na sua necessidade. A gente pede o
cartão, mas, no momento que faz o saque, eu mostro o comprovante e lhe
devolvo o benefício prestado conta. Assim que eu faço”, explicou Paulo
ao beneficiário.
Paulo Jorge não pareceu incomodado em falar sobre o assunto ou explicar
como acontecia. Questionado se ele sabia que a prática configurava
crime, o comerciante não pareceu entender. “Eu já tinha ouvido um
pessoal falar, mas não sei disso não. Faço pra ajudar quem me pede e
precisa”, justificou.
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Nonata abriu mão do bolsa família após melhorar
de vida (Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
Resultados positivos:
Nem tudo é problema em Belágua. O desenvolvimento da assistência social
combinado com o incentivo à agricultura artesanal mostra, além do salto
no PIB do município, resultados que vêm afetando de forma direta e
positiva a vida de alguns.
Segundo a secretária Jeanne Saraiva, algumas pessoas que conseguiram
ascender economicamente já pediram desligamento do programa de
assistência voluntariamente.
A dona de casa Nonata Gonçalves dos Santos pediu desligamento do Bolsa
Família em junho deste ano. "A gente gosta de dinheiro e tem
necessidade. Só que a gente vê, por exemplo, aqui no meu povoado, são
mais ou menos 40 famílias que não têm um salário nem a Bolsa Família.
Aí, é claro que, na hora que eu tiro, eu já tô dando oportunidade para
um deles", explicou.
Nonata, que também é líder comunitária, mora em uma casa de alvenaria
no Povoado Pequizeiro com o marido, filhos, um genro, uma nora e os
netos. A situação financeira da família melhorou, mas, segundo ela, nem
sempre foi assim.
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Maria Teresa desistiu do Bolsa Família depois de
virar professora (Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
"Antes dos programas sociais, a gente sofria muito", lembrou. "Eu sei
que eu tô feliz porque vai ser beneficiada uma família que tá com uma
necessidade maior que a minha. Eu sinto uma coisa muito boa dentro de
mim. A gente se sente aliaviado, se sente, digamos assim, útil na vida.
Fazendo uma ação boa, a gente se sente bem", concluiu.
Outro exemplo de desistência voluntária do programa é a professora
Maria Teresa Alves. Depois de passar em um concurso e passar a ter uma
renda de R$ 2.000,00 por mês, ela também pediu desligamento do Bolsa
Família. Maria Teresa contou que trabalhava como empregada doméstica,
mas nunca deixou de estudar.
"Nessa época, era muito difícil ter café, almoço e janta. Além de
comprar comida, o programa me ajudou a manter as crianças na escola,
comprar o material deles. Fiz faculdade em Itapecuru. Passei em um
concurso e melhorei minha vida. Como eu vi que outras famílias tinham
mais necessidade que eu, resolvi abrir mão", contou. "Abrir mão da bolsa
me fez bem demais, me deu uma paz, um orgulho. Eu dormia pensando no
que eu ia comprar pra dar de comer pros meus filhos. Agora, eu me sinto
muito melhor", comemorou.
Para a secretária Jeanne Saraiva, a aplicação correta dos programas de
assistência social, não só como subsídio financeiro, mas também com a
realização de cursos profissionalizantes, pode levar a cidade à produção
de farinha em larga escala e ao desenvolvimento.
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Cursos profissionalizantes são realizados na
cidade (Foto: Clarissa Carramilo/G1) |
"O programa, quando é seguido conforme a norma de assistência social,
diz que tem que ser investido em cursos profissionalizantes. Nós já
executamos 12 cursos de pedreiro, bombeiro hidráulico, armador de
ferragem, beneficiamento da fruticultura, beneficiamento da cultura da
mandioca. Voltamos a estimular o agricultor a ir pra sua terra
trabalhar, voltar a ser lavrador de fato. Isso aconteceu e os frutos
estão sendo colhidos. Chegou a capacitação, chegou o ensino
profissionalizante. O agricultor já tem a prática, mas ele não tem o
conhecimento, a teoria com a tecnologia. Vamos dizer que a gente está
aprimorando essa prática do agricultor, pra que ele passe a colher
frutos maiores, de uma forma que ele possa comercializar. A Belágua
ainda pode crescer muito com a grande escala da produção de farinha”,
concluiu Jeanne Saraiva.