ALEMA

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

MUNICÍPIO DE BELÁGUA AINDA É CASTIGADA PELA POBREZA EXTREMA

 "Sabemos que, por mais que tenha aumentado o PIB e tenha tido melhoria na qualidade de vida, ainda está longe de acabar com a extrema pobreza e a pobreza."
Jeanne Saraiva, secretária
Família de Raimundo e Maria do Socorro vive em situação de extrema pobreza (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
O maior salto econômico entre os municípios do país foi obtido por Belágua, a 280 km de São Luís, segundo dados  de 2011 divulgados este mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O aumento do PIB per capita levou a cidade maranhense da 4.991ª para a 3.849ª posição no ranking.

Dois anos depois do registro feito pelo IBGE, a realidade mostra que o maior ganho da população foi sair da situação de pobreza extrema para a pobreza, impulsionada pelos programas de assistência social do governo federal somados à produção artesanal e venda de farinha de mandioca.

Ruas de Belágua não são asfaltadas
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)
A secretária de Assistência Social, Jeanne Saraiva, explica o fenômeno. “Em Belágua, passava-se fome. E, hoje, o pobre consegue ter comida na mesa. Antes, se identificavam famílias que passavam o dia sem alimento ou tinham só uma refeição por dia. Sabemos que, por mais que tenha aumentado o PIB do município e tenha tido melhoria na qualidade de vida, ainda está longe de acabar com a extrema pobreza e a pobreza. A gente chama de falsa melhoria. Tem muitas famílias vivendo nessas situações aqui, mas a realidade já mudou”. 
  Segundo Jeanne Saraiva, a chegada da internet ao município ajudou a aumentar o número de cadastros no Bolsa Família de 642 para mais de 1.200. Com a garantia de sustento oferecida pelo programa, o pequeno agricultor, que antes produzia mandioca para subsistência e troca de mercadorias, agora usar o dinheiro das vendas para melhorar a vida da família.
“Hoje, a gente vê que o pobre consegue ter alimento, comprar, fazer feira. Não existia isso antes aqui. Não só pelo Bolsa Família, mas pela vontade de querer crescer e até de deixar de ser um beneficiário do programa. O forte de Belágua é a mandioca e assim tem sido. Antigamente, funcionava o escambo aqui. Se produzia farinha para trocar pelo arroz, pelo feijão. Eles iam no comércio e trocavam. Hoje, a farinha está sendo comercializada. O pequeno produtor rural consegue vender a farinha, ganhar dinheiro e investir em um benefício para a família dele”, acrescentou Saraiva.
Raimundo passa mandioca em moedor
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)

'Passei fome de farinha'


Os povoados de Rio Dois Paus, Mocambo, Deserto, Vaca Velha e Pequizeiro estão entre os mais famosos pela produção de farinha de qualidade. A maioria das casas, geralmente feitas de barro e cobertas com palhoça, têm uma roça de mandioca e uma casa de farinha nos fundos.
Ao percorrer os povoados, o G1 presenciou várias famílias “farinhando”. O processo começa com a colheita da raiz. A mandioca então é descascada e triturada em moedores. A massa é armazenada em cestos de palha alongados, os tipitis, que são pendurados para secar. Feito isto, a massa seca é levada ao forno à lenha, onde é torrada. Depois de esfriar, é peneirada.
Nazaré armazena mandioca moída em tipiti
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Em Rio Dois Paus, o lavrador Raimundo Nonato Lima de Andrade, 69 anos, trabalha diariamente na produção de farinha com a esposa, o filho e a nora. Questionado se viver na roça ficou mais fácil por causa do Bolsa Família ou da produção de farinha, Raimundo diz que é uma coisa pela outra.

“Tem uma coisa que é certa, é um pelo outro. O governo ajuda bem e nós trabalhamos pra ele nos ajudar. Ficou [mais fácil] porque se luta é da roça de mandioca. A pobreza diminuiu sim, mas se não fosse a mandioca, era ruim porque não tem do que se viva aqui. Um mês é mais fraco, outro é mais forte, mas nós sabemos lutar. Compramos o arroz, o feijão, mas a farinha a gente faz”, relatou.
Mandioca é torrada em forno à lenha
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)

“A gente vende mais é de 20, 30, 40 quilos nos alqueires. O preço subiu de 40 para 60 reais agora. Nós vivemos melhor. Quando nós criamos nossa família, não tinha Bolsa Família, nosso filho não ganhava nada. Era pescando, caçando pra dar um bocado pro filho. Eu não gosto nem de me lembrar. A gente sofria demais. Passei fome de farinha”, contou a esposa Nazaré.

Dados do IBGE apontam que Belágua tem 6.524 habitantes, com incidência de pobreza de 57,12%. A população aumenta a cada dia. Em oito anos, entre 2000 e 2007, o município teve aumento de apenas 264 habitantes. Já entre 2007 e 2010, o número triplicou, com crescimento populacional de 805 habitantes em quatro anos.
Dona Concita peneira farinha torrada
(Foto: Clarissa Carramilo/G1)
A população é jovem, com a maior parte concentrada na faixa etária entre 10 e 14 anos, fenômeno que segue a mesma tendência do Maranhão e do Brasil. O IBGE diz que 1.185 famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família na cidade e mais da metade da população é analfabeta (52,2%).

Miséria total:
Os lavradores Raimundo Nonato dos Santos e Maria do Socorro Saminiez, juntos há 38 anos, ainda fazem parte do grupo que vive em situação de extrema pobreza.

O casal mora com os nove filhos em uma casa de barro com dois pequenos aposentos. As crianças dormem em redes e, os mais velhos, no chão. Não tem energia elétrica, água encanada, nem banheiro. Arroz, farinha e água formam o “almoço jantarado”, adiado do meio-dia para 14h, uma estratégia para segurar a fome por mais tempo.

Raimundo e Maria do Socorro almoçam arroz e
farinha (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Raimundo diz que chegou na cidade em janeiro deste ano, quando foi a Belágua atrás de notícias do filho, assassinado em dezembro do ano passado, em uma festa da cidade. Mesmo com o sofrimento, o lavrador não deixa de trabalhar na roça. “Pode faltar tudo, menos a farinha. Se tiver só arroz, sem a farinha, eles [os filhos] não querem nem comer, mas se tiver só a farinha, eles comem, eles gostam. E se tiver pra vender, a gente vende”, contou.
A família recebe o benefício do Bolsa Família há quatro meses. São R$ 450,00 ao todo, R$ 40,00 para alimentar cada morador da casa o mês inteiro. Raimundo é o que sofre mais, já que não pode mais comer farinha porque sente dores no estômago.
Comerciante empresta dinheiro sob penhora de
cartão (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Falta de consciência:

A falta de acesso a políticas públicas como saúde e educação, por exemplo, leva os moradores a cometerem crimes sem saber. O dono de um comércio do centro de Belágua, que se identificou como Paulo Jorge, disse emprestar dinheiro a beneficiários do Bolsa Família.
Como garantia de pagamento, Paulo fica com os cartões do Bolsa Família e, quando o benefício é disponibilizado, ele mesmo faz o saque no banco e acrescenta uma "taxa" de R$ 3,00 pelo empréstimo, devolvendo o cartão e o comprovante ao dono após o desconto do débito - um acordo baseado, principalmente, na confiança da palavra.
O G1 presenciou a realização de um acordo entre o comerciante e um beneficiário, que pedia um empréstimo para comprar um remédio para a filha.
“A gente socorre. Como a dona do cartão é sua filha e o senhor tá com ela, eu vou fazer porque, muitas vezes, acontece que a pessoa tira o cartão do pai, da mãe e vem aqui. Se eu fizer isso, eu vou tá cometendo um crime. Agora como o senhor tá trazendo aqui a filha num momento de socorro, eu posso lhe socorrer na sua necessidade. A gente pede o cartão, mas, no momento que faz o saque, eu mostro o comprovante e lhe devolvo o benefício prestado conta. Assim que eu faço”, explicou Paulo ao beneficiário.
Paulo Jorge não pareceu incomodado em falar sobre o assunto ou explicar como acontecia. Questionado se ele sabia que a prática configurava crime, o comerciante não pareceu entender. “Eu já tinha ouvido um pessoal falar, mas não sei disso não. Faço pra ajudar quem me pede e precisa”, justificou.
Nonata abriu mão do bolsa família após melhorar
de vida (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
Resultados positivos:

Nem tudo é problema em Belágua. O desenvolvimento da assistência social combinado com o incentivo à agricultura artesanal mostra, além do salto no PIB do município, resultados que vêm afetando de forma direta e positiva a vida de alguns.

Segundo a secretária Jeanne Saraiva, algumas pessoas que conseguiram ascender economicamente já pediram desligamento do programa de assistência voluntariamente.
A dona de casa Nonata Gonçalves dos Santos pediu desligamento do Bolsa Família em junho deste ano. "A gente gosta de dinheiro e tem necessidade. Só que a gente vê, por exemplo, aqui no meu povoado, são mais ou menos 40 famílias que não têm um salário nem a Bolsa Família. Aí, é claro que, na hora que eu tiro, eu já tô dando oportunidade para um deles", explicou.

Nonata, que também é líder comunitária, mora em uma casa de alvenaria no Povoado Pequizeiro com o marido, filhos, um genro, uma nora e os netos. A situação financeira da família melhorou, mas, segundo ela, nem sempre foi assim.
Maria Teresa desistiu do Bolsa Família depois de
virar professora (Foto: Clarissa Carramilo/G1)

  "Antes dos programas sociais, a gente sofria muito", lembrou. "Eu sei que eu tô feliz porque vai ser beneficiada uma família que tá com uma necessidade maior que a minha. Eu sinto uma coisa muito boa dentro de mim. A gente se sente aliaviado, se sente, digamos assim, útil na vida. Fazendo uma ação boa, a gente se sente bem", concluiu.

Outro exemplo de desistência voluntária do programa é a professora Maria Teresa Alves. Depois de passar em um concurso e passar a ter uma renda de R$ 2.000,00 por mês, ela também pediu desligamento do Bolsa Família. Maria Teresa contou que trabalhava como empregada doméstica, mas nunca deixou de estudar.
  "Nessa época, era muito difícil ter café, almoço e janta. Além de comprar comida, o programa me ajudou a manter as crianças na escola, comprar o material deles. Fiz faculdade em Itapecuru. Passei em um concurso e melhorei minha vida. Como eu vi que outras famílias tinham mais necessidade que eu, resolvi abrir mão", contou. "Abrir mão da bolsa me fez bem demais, me deu uma paz, um orgulho. Eu dormia pensando no que eu ia comprar pra dar de comer pros meus filhos. Agora, eu me sinto muito melhor", comemorou.
Para a secretária Jeanne Saraiva, a aplicação correta dos programas de assistência social, não só como subsídio financeiro, mas também com a realização de cursos profissionalizantes, pode levar a cidade à produção de farinha em larga escala e ao desenvolvimento.
Cursos profissionalizantes são realizados na
cidade (Foto: Clarissa Carramilo/G1)
"O programa, quando é seguido conforme a norma de assistência social, diz que tem que ser investido em cursos profissionalizantes. Nós já executamos 12 cursos de pedreiro, bombeiro hidráulico, armador de ferragem, beneficiamento da fruticultura, beneficiamento da cultura da mandioca. Voltamos a estimular o agricultor a ir pra sua terra trabalhar, voltar a ser lavrador de fato. Isso aconteceu e os frutos estão sendo colhidos. Chegou a capacitação, chegou o ensino profissionalizante. O agricultor já tem a prática, mas ele não tem o conhecimento, a teoria com a tecnologia. Vamos dizer que a gente está aprimorando essa prática do agricultor, pra que ele passe a colher frutos maiores, de uma forma que ele possa comercializar. A Belágua ainda pode crescer muito com a grande escala da produção de farinha”, concluiu Jeanne Saraiva.

FONTE: G1-MA

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